terça-feira, 24 de novembro de 2009

A mão na tesoura

Era noite na Urca, uma lua cheia insistia em aparecer naquele céu tão cheio de nuvens. Emanuel Toyé, francês radicado no Rio de Janeiro, voltava para casa após o coquetel de abertura de sua exposição no Museu de Arte Moderna, entitulada A mão na tesoura.
O artista plástico estacionou seu Renault na garagem e assobiando, caminhou para dentro de casa. Ao colocar a chave na fechadura, as luzes se apagaram. Blecaute, breu quase completo. O luar, ofuscado pelas nuvens, permitia enxergar pouco. Assustado, Emanuel entrou em casa.
A escuridão e o silêncio da casa vazia sufocavam e assustavam Emanuel. O artista correu para o segundo andar, onde ficava sua suíte. Com dificuldade, achou a gaveta da estante onde guardava sua lanterna.
Clique.
Uma luz fraca piscou e logo se apagou. O artista lembrou-se de sua nota mental para trocar as pilhas. Troca não realizada. Naquele momento era tarde, Inês era morta e Emanuel estava no escuro.
O artista então correu até as janelas e abriu as cortinas. O fraco luar iluminou um pouco o quarto. Não o suficiente para que Emanuel pudesse enxergar algo, mas o suficiente para espantar um pouco da solidão.
Emanuel não era um homem solitário. Apesar de morar sozinho, recebia sempre visitas. Artistas, intelectuais, jornalistas e amantes eram presenças constantes em sua casa. Mesmo quando estava só, Emanuel não se sentia solitário. As luzes iluminavam as salas, permitiam a leitura. Dostoiévski, Baudelaire, Neruda, Verne, Borges e Foucault eram suas companhias.
Naquele momento, sozinho e no escuro, Emanuel sentiu-se solitário. E com medo.
As nuvens se esparçaram, aumentando a intensidade do luar. O quarto, naquele momento, estava iluminado, assim como o jardim e a rua onde morava. Ao olhar para a frente de casa, Emanuel sentiu um imenso frio na espinha.
Duas sombras pularam a mureta de sua casa e avançaram com agilidade pelo jardim. Emanuel, congelado de medo, sabia que precisava fazer alguma coisa. Recuperado do susto original, correu até o banheiro de sua suíte, pegou uma tesoura e se escondeu em seu armário.
Do armário, Emanuel ouviu a porta da sala se abrir. E ouviu os passos atravessarem a sala. E ouviu os passos subirem as escadas. E ouviu os passos se aproximarem do quarto. Então, da fresa da porta do guarda-roupa, viu a luz de uma lanterna passar pelo chão do quarto, enquanto uma voz cochichava:
- Olha, a janela está aberta! Ele deve estar em casa!
- Agora o cuidado então é redobrado!
As figuras reviraram todas as gavetas. Não encontraram o que procuravam. Então passaram aos guarda-roupas. Iam abrindo porta a porta. Emanuel sabia que a hora estava chegando. As figuras então chegaram na última porta.
Emanuel não soube direito o que aconteceu. Viu apenas as portas se abrindo, uma luz forte na sua cara e a silhueta de sua mão cravando a tesoura em uma das figuras, que soltou um berro. O artista pulou do móvel, empurrando o outro que derrubou o revólver.
Ouvindo tiros, o artista desceu as escadas correndo e se adiantou a seu jardim. O artista via o portão se aproximando, então tudo escureceu e se silenciou.

Na manhã seguinte, um jornal destacava na capa que Emanuel Toyé o artista responsável pela exposição A mão na tesoura fora morto durante um assalto em sua residência, na Urca. Embaixo da manchete, via-se uma foto do artista morto no chão e em sua mão, uma tesoura.


O texto foi um desafio que impus a mim mesmo. Sem inspiração, pedi pra três pessoas darem um título, um lugar e um personagem para que eu criasse um conto. Este foi criado em um pouco mais de meia hora.
Agradeço a colaboração de Clarice Bernardo que sugeriu o título, Jacque Lourinho, que sugeriu o lugar e Gabriel Guimarães que sugeriu o personagem.

7 comentários:

GG disse...

Até o trecho dos autores o conto estava fenomenal, mas sinceramente falando, depois ele caiu de rendimento e terminou de uma maneira bem fraca, cara... :P
mas vlw o crédito. :)

Lucas Conrado disse...

Críticas construtivas, com fundamento e especialmente com justificativa são sempre muito bem vindas!

GG disse...

A questão, para mim, foi que passou de um texto subjetivo pra um texto objetivo demais, da ficção pra uma realidade pura, entendeu? Não queria ter deixado tão confuso o que falei, só não sabia como expressar direito na hora.

Fernando André disse...

Como peça de entretenimento ficou ótimo. Como obra de arte, arte não vale nada mesmo, então tah tranquilo

Lucas Conrado disse...

Mas quem disse que eu tinha a proposta de fazer algo surpreendente, psicológico, pseudo-intelectual?

Fernando André disse...

por isso mesmo, meu bróder. Arte sucks hauhauhauah

Lucas disse...

Pô, interessante esse exercício de composição... Mas como eu não sabia das suas pretenções, eu imaginava um outro final, algo mais irônico, como por exemplo, no outro dia o jornal comentar que o corpo do artista no quintal era uma espécie de nova instalação hiper-realista, a arte como retrato da realidade nua e crua, hauahuahuahua. Acho que ia ficar interessante =P