sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

O avião

A Lagoa da Pampulha, com o Mineirão e o Campus da UFMG ficaram para trás. As ruas projetadas do centro da cidade passavam quase 1000 metros abaixo daquele avião que rumava para o Sul, na direção da Serra do Curral.
Quem estava no Parque das Mangabeiras, na Praça do Papa ou mesmo em qualquer uma das ruas do Alto das Mangabeiras não imaginava o que se passava dentro daquele pequeno monomotor que voava cada vez mais baixo pelo bairro. Eles apontavam para o alto, adimirados, vendo o avião desaparecer e reaparecer de trás da Serra do Curral, fazendo curvas sobre o Funcionários e indo cada vez mais próximo das montanhas.
As torres dos aeroportos da Pampulha, Carlos Prates (de onde o avião decolara, quase meia hora antes) e Confins tentavam em vão entrar em contato com o piloto. Helicópteros das polícias Civil e Militar acompanhavam tudo a distância, enquanto viaturas da Polícia, Bombeiros e ambulâncias corriam para lá. Todos esperavam o pior.
O medo já esvaziara o escritório da embaixada estadunidense na Avenida Álvares Cabral, assim como escritórios de multinacionais na cidade. Algumas pessoas, acompanhando pela televisão o caso, se perguntavam: "se ele não responde e voa perigosamente pela cidade, por que não derrubam o avião de uma vez?". A principal preocupação das autoridades era a incerteza de o misterioso piloto estar sozinho na aeronave ou não. Ninguém queria se responsabilizar pela morte de inocentes.
O que ninguém sabia era que o piloto não queria matar ninguém, além de si próprio. Entrara numa situação complicada de onde ninguém poderia tirá-lo. Uma situação que ele não construíra sozinho, mas que teria de resolver sem a ajuda de ninguém. E para isso, encontrara a solução mais rápida.
O avião atravessou a Serra do Curral novamente, vindo de Nova Lima para Belo Horizonte, arrancando galhos das copas das árvores mais altas da Serra. Voara até a Savassi e, dando uma meia volta a direita, passou sobre o bairro da Serra e Vila Cafezal. No momento mais crítico de sua vida, o piloto viu passar pela janela as mansões do Mangabeiras, a Praça do Papa, o Parque das Mangabeiras e, ao olhar para a frente, viu o paredão de rocha da Serra do Curral se aproximar mortalmente de sua aeronave a quase 600 quilômetros por hora.
A explosão fora ensurdecedora.

Ao abrir os olhos, o piloto estava deitado em sua cama, ensopado de suor. O coração estava disparado, a respiração ofegante e a mente ainda não processara que tudo não passara de um pesadelo. Ele levantou, caminhou até o banheiro e, diante do espelho lavou o rosto. Ao olhar-se percebeu que estava diferente.
Era um novo homem, com um peso a menos nas costas.
Estava vivo, ao contrário do amor não correspondido que carregava dentro de si. Este sentimento estava morto, aos pedaços na Serra do Curral.

PS. Este texto estava em minha cabeça havia alguns meses, mas nunca cheguei a mostrá-lo para ninguém. Por coincidência - ou não - hoje um avião se chocou contra a Serra do Curral, muito próximo de onde se chocara o avião do sonho do piloto deste conto.

3 comentários:

Lucas disse...

Sublimação.

Tyler Durden disse...

Cara, eu também queria levantar um dia, e perceber que esse sentimento já não existe mais.

O blog tá parado faz um tempão...quase não entro em mais nada.
Acho que não preciso tanto dele quanto precisei um dia, mas vou ver se consigo manter uma regularidade.

Fernanda Barreto disse...

Adorei o conto...
Otimo Ps!Parece uma especie de dejavu ^^