sábado, 23 de junho de 2012

Um mineiro no Chile - Parte 2

No episódio anterior...

23 de junho de 2011

A espera pelo avião para o Chile ainda continua. A telinha de embarque do aeroporto mudou novamente. Está mostrando que o voo pra Santiago vai sair às 0h59! Que beleza...

O voo que estava marcado para as 22h30, está atrasado para 0h59...
(Foto: Lucas Conrado)


Estou sentado perto do finger da Gol, quando uma mulher chega do meu lado e acontece o seguinte diálogo:

MULHER (com um forte sotaque baiano) – Buenas Noches, tu vais para Santiago con la Gol?

EU – Si, yo me voy.

MULHER – Tu sabes lo que ocurrió? Por que el vuelo está atrasado?

EU – No sé... Hablé con el funcionário de Gol y el solo dice que el vuelo de São Paulo está atrasado.

MULHER – Yo estoy aqui en aeropuerto a varias hueras, quiero llegar luego.

EU (cismado com o sotaque dela) – Yo también. De onde tu eres?

MULHER – Soy de Salvador, en Brasil.

EU – E eu sou do Brasil também! Lá do Rio!

Conversamos um pouquinho e depois ela vai embora. 

Por volta da uma da manhã, nosso avião finalmente chega, mas nada do finger abrir para a gente embarcar. Entre informações desencontradas, parece que aconteceu o seguinte: Havia outro voo para o  Chile que faria uma conexão na Argentina. Só que o voo pra Buenos Aires atrasou e o avião pra Santiago embarcou sem os passageiros, que foram remanejados pro meu voo.

As coisas iam bem, até alguma companhia aérea fazer o favor de perder as malas dos passageiros. Tá, a descrição do aeroporto está ficando longa demais e tem muita coisa pra acontecer em Santiago, então agora são 2h30 da manhã e, depois de quatro horas de atraso, finalmente estou no avião para o Chile. 


O voo pra Santiago é bem tranquilo. Depois de umas duas horas de voo, estamos sobrevoando um lugar sem cidades e, perto do horizonte, vejo uma fileira de luzes, como cidades no litoral. Assim, na minha cabeça, estamos sobrevoando a Cordilheira dos Andes e aquelas luzes são as cidades do litoral chileno. Passa um pouco, vejo uma grande cidade logo abaixo do avião. Algo me diz que é Santiago do Chile.

“Atenção, senhores passageiros, vamos sobrevoar a Cordilheira dos Andes, então pedimos que se mantenham sentados e de cintos afivelados”, diz o piloto. Uai, estamos em Santiago, a Cordilheira já passou, por que ele está falando isso agora? Talvez ele faça um retorno por cima das montanhas, para pousar no aeroporto.

Não, ele continua voando reto. E o chão, lá embaixo, passou de repente, do completo preto para um cinza misterioso... Esse cinza todo parece até... NEVE! Sim, aquele cinza todo lá embaixo é a neve iluminada pela lua! Olha as sombras das montanhas! Cara, a Cordilheira dos Andes iluminadas pela luz da lua é a coisa mais impressionante que já vi na vida! 

Agora sim, Santiago do Chile! A cidade que pensei que fosse a capital chilena é, na verdade, Mendonza, na Argentina. O avião aterrissa, passo pela Alfândega e, logo no portão de desembarque internacional, já vejo o stand da empresa que vai fazer o transporte do aeroporto até o El Punto, a república onde vou passar o feriado.

Na van, esperando os outros passageiros que vão para Santiago, converso com um chileno. Não pergunto seu nome, e, com muita dificuldade, vou entendendo seu espanhol. Na verdade, peço várias vezes para ele falar mais devagar. Ele me conta que não conhece o Brasil, mas tem muita vontade de conhecer a amazônia. É o segundo chileno com quem converso, o primeiro foi um cara que conheci em Buenos Aires. Ele tinha chegado da Austrália, depois de um voo de 23 horas e só queria chegar no Chile.

A van sai do aeroporto e pega uma estrada. Mal acredito que estou em outro país. É engraçado, não sei explicar o que sinto. Por volta das quatro da manhã, chegamos à Rua Maipu, onde fica o El Punto. A Bruna ainda está acordada, esperando por mim. Ela me ajuda a levar as malas para dentro do prédio e me leva até meu quarto, no quinto andar. 

Contextualizando a história: A Bruna é uma grande amiga minha, do Brasil. Ela foi fazer intercâmbio no Chile e me convidou, a princípio, para um mochilão na segunda quinzena de julho. Infelizmente, não poderia ir, então acabei indo visitá-la no feriado de Corpus Christi.

Na hora que ela se despede de mim, e ia fechando a porta do quarto, vozes. Facu, um estudante argentino com quem eu havia falado pela internet chega de uma festa, completamente bêbado. Se não me engano, Lucia, uma estudante do Uruguai também estava ali. Entendo pouco do que falam (não sei se pela bebedeira, pelo meu cansaço ou pelo espanhol mesmo), mas falam alto. No fim do corredor, ouço uma voz brava, gritando irritado. Assustado, não me mexo. Facu, na porta de seu quarto, logo na frente da minha, faz sinal para eu ficar quieto. É Jaime, o administrador do El Punto, que dorme no quarto do fim do corredor. Ah, ele não sabe que estou ali. Se souber, vai me cobrar mais uma diária.

* * *

(Correção no vídeo: A cordilheira que eu filmo aí NÃO é a Cordilheira dos Andes)

Acordo. Quando percebo que estou debaixo de quase um quilo de cobertas, me lembro que estou no Chile, em pleno inverno! Corro para a janela, abro as cortinas e vejo prédios e telhados diferentes dos que estou acostumado, árvores peladas ou com folhas avermelhadas e, lá no horizonte, uma cordilheira, coberta de neve! Acho que é a Cordilheira dos Andes! Que fantástico!

Vou escovar meus dentes e, uma surpresa desagradável. Que gosto péssimo que tem essa água de Santiago. A água do encanamento é potável, mas é meio salgada, horrível! Desço até o quarto andar e bato à porta do quarto da Bruna. Ela abre e eu conheço sua colega de quarto, Fernanda. Ela é de São Paulo, mora num bairro pertinho de onde eu morei por 14 anos. Gostei dela.

Descemos pra tomar o café da manhã e vejo um molho vermelho, com uma aparência ótima. Parece molho de tomate. A Bruna me alerta, o Aji é um molho chileno, muito apimentado. Não dou ouvidos a ela e me arrependo! O pão cheio de Aji quase me faz chorar de tão apimentado! Já a geleia chilena é fantástica. Mesmo a industrializada é muito melhor que a brasileira. E vem cheia de pedacinhos de fruta! Delícia!

Depois de nos arrumarmos, estamos na estação Quinta Normal do metrô. Vamos ao centro da cidade para começar meu primeiro tour em Santiago. Estava curiosíssimo porque, de acordo com umas fotos que vi de um amigo meu, o metrô santiaguino tem pneus. O primeiro que pegamos é normal, com rodas de metal. Mas o segundo, realmente, é com pneus! Muito silencioso.

Eu, na Plaza de Armas, em frente à catedral.
(Foto: Bruna Acácio)
Bem, cá estamos, na Plaza de Armas, centrão de Santiago. Na verdade, a cidade foi fundada aqui. A praça está repleta de turistas e de transeuntes chilenos e parece o centro de qualquer outra cidade. Aliás, a arquitetura é diferente. Prédios clássicos, muito bonitos para se fotografar. Tiramos algumas fotos e entramos numa catedral gigantesca. E linda!

BRUNA – Lembra do que te falei em Ouro Preto? Toda vez que a gente entra numa igreja pela primeira vez, a gente tem direito a três pedidos.

Fecho os olhos e faço os pedidos. (Um ano se passou e eles não se realizaram) Saímos da Igreja e começamos a andar pelas ruas da cidade, na direção do Palácio La Moneda. No meio do caminho, percebemos uma grande movimentação de carabineros (como os policiais são chamados no Chile) e um barulho anormal: São os estudantes, em mais uma de suas manifestações a favor de uma educação superior de qualidade e gratuita. Explicando rapidinho, no Chile, as universidades são todas pagas, inclusive as públicas. Quando o chileno se forma, ele está devendo até a alma.

Chegamos ao Palácio... É muito bonito. Mas, o que me impressiona de verdade é esta bandeira gigantesca na frente do palácio. É uma das maiores que já vi! Ali na frente, na avenida, os carabineros aguardam os estudantes, em uma fila de cavalaria. Aqui na praça, o clima é diferente.


Júlio Verne e o Palácio La Moneda
(Foto: Lucas Conrado)
Apesar da grade que cerca o Palácio, está tudo calmo. Policiais patrulham e dão informações aos turistas. Ali na frente tem dois que ficam parados, em cima dos cavalos. A Bruna me explica que eles ficam parados assim justamente pra gente tirar foto com eles.  Por falar nisso, pedimos para um policial tirar uma foto nossa, segurando a bandeira de Minas Gerais. Ele pergunta de onde é a bandeira e explicamos que é de nosso estado, no Brasil. 



Eu, em frente ao Palácio La Moneda, com o bandeirão
gigante do Chile ao fundo!
(Foto: Bruna Acácio)
Saímos do La Moneda. A próxima escala? Cerro Santa Lucia. Mas, antes de subirmos o morro, passamos por uma lojinha de brinquedos. Eu queria levar um pinguim de pelúcia para a Tássia, uma amiga minha no Brasil, mas não vi nenhum bonitinho.

Estamos andando por uma rua no centro da cidade e passamos por uma banca de revistas, onde compro duas revistas do Condorito, um personagem tradicional dos quadrinhos chilenos. Uma é pra mim e a outra é pro Gabriel, um amigo meu fanático por HQs.

. De lá, passamos num mercado de artesanato típico chileno. Além da Tássia, quero levar lembrancinhas para meus amigos no Brasil, meus pais e do meu irmão. Sou péssimo para escolher presentes... A Bruna me ajuda a procurar algo, mas nada me agrada... Não que os artesanatos sejam feios, muito pelo contrário, são bem legais. Mas não combinam com meus amigos... Aliás, acho um pinguim de enfeite. Este já está comprado! Levo também alguns postais e uma bandeirinha do Chile para costurar a meu casaco. 

No Cerro Santa Lucia, com a Cordilheira dos Andes ao fundo.
(Foto: Bruna Acácio)
Subimos o Cerro. Não é muito alto. Vemos a paisagem de Santiago e o que mais me impressiona é a Cordilheira dos Andes logo ali! É gigantesca, linda, imponente e coberta de neve! Uma vista inesquecível. O Cerro tem uma fortaleza construída, era a base dos colonizadores espanhóis, na época que ocuparam a região. Subimos até uma espécie de torre no topo do Cerro e pedimos para um dos milhares de brasileiros para tirar algumas fotos nossas.

Descemos e passamos em outra feirinha de artesanato. Tem muita coisa interessante aqui, inclusive alguns barquinhos de madeira que fico muito tentado a comprar. Acabo não levando. Passamos por banquinhas de roupas, uma com bandeirinhas do Chile que a Bruna quer levar, artesanato de todo tipo e paramos numa banquinha com fantochinhos de dedos. A Bruna leva alguns. Compro pra ela um porquinho (ela é apaixonada por porquinhos).

Deu fome... de tanto a Bruna falar no tal do Completo con Palta, vamos até uma lanchonete perto da Plaza Itália para experimentá-lo. O que é Completo con Palta? Simplesmente cachorro quente com abacate, uma comida típica do país. É gostoso... mas o abacate da loja estava meio vencido. Acabamos comendo o cachorro quente sem ele mesmo. 

Cachorro quente com abacate.
(Foto: Bruna Acácio)
Ah, alguns detalhes sobre os molhos do país. Fomos ao Doggis, uma rede de cachorros quentes que também existe no Brasil. Nessa rede, eles dão potinhos para a gente colocar o molho que quiser. No Brasil só tem catchup, mostarda e maionese. No Chile, além dos três, há um molho de queijo, outro de alho e o aji. A maionese chilena é mais amarelada que no Brasil. E o catchup deles é mais salgado que o nosso. Além disso, o tamanho do refrigerante lá é diferente. Aqui, geralmente é 300ml, 500ml e 700ml. Lá são outras medidas, mas não lembro exatamente quais são.

Terminamos de comer... A Bruna quer me levar em museus de arte, mas, na boa, não é muito a minha cara. Quero conhecer parques, ruas, praças... aliás, quero conhecer o Cerro San Cristóbal!

No caminho, cruzamos o Rio Mapocho, que corta a cidade. Ele está bem baixo, mas a Bruna me diz que, quando a neve dos Andes começa a derreter, ele sobe vários metros, ameaçando inundar algumas partes da capital. Acho graça nos fantoches de dedos vendidos na ponte que cruza o rio. Diversos bonequinhos de todas as cores e formatos, uma variedade bem maior que a da feirinha. Tem muitos personagens do Chaves ali. Eu queria levar do Seu Madruga, mas não achei...

No caminho para o morro mais alto de Santiago, e de onde podemos ver toda a cidade, passamos por uma praça com os pombos mais gordos que eu já vi. Aliás, os pombos em Santiago são imensos! Não sei se eu já disse, mas tem muito cachorro de rua na cidade. O mais engraçado é que são cachorros de raça, bem alimentados e agasalhados. O governo chileno aboliu a carrocinha e se compromete a vacinar todos os cachorros de rua. Enquanto isso, a população alimenta e agasalha os cachorros que, em sua maioria esmagadora, são mansos.

La Chascona, casa de Pablo Neruda em Santiago
(Foto: Lucas Conrado)

Aos pés do Cerro, passamos por um lugar muito legal: La Chascona, a casa do poeta Pablo Neruda em Santiago. Ela é muito bonita, mas está fechada... Ou pelo menos parece estar. Como pretendemos ir à casa dele em Isla Negra e daqui a pouco vai escurecer, nem tentamos entrar nela. Vamos para o Cerro.

Furnicular do Cerro San Cristóbal
(Foto: Lucas Conrado)
Para subir San Cristóbal, existiam duas formas: o furnicular, uma espécie de elevador na diagonal ou o teleférico. Mas, no terremoto de 2010, o teleférico parou de funcionar. O Cerro San Cristóbal  é altíssimo! São centenas de metros de altura. De lá de cima, Santiago se estende por todo vale. De um lado, a Cordilheira dos Andes. Do outro, a outra cordilheira, no caminho para a praia. É impressionante como o ar da cidade é poluído... Por estar nesse vale, e por ser uma cidade muito seca, a fumaça dos carros não se dissipa, formando uma névoa que encobre toda a cidade.

Ainda assim, dá pra ver bastante coisa, inclusive o Estádio Nacional logo ali, o aeroporto lá na frente e Torre Gran Costera, o maior prédio da América Latina, com 300 metros de altura. No alto do morro há a imagem de uma santa, perdão, não sei quem é, e ali do lado um Cruzeiro, bem parecido com o de Carmo do Cajuru. 
Eu e Júlio Verne no alto do Cerro San Cristóbal
(Foto: Bruna Acácio)

Cordilheira dos Andes e Santiago, desde o Cerro San Cristóbal
(Foto: Lucas Conrado)
O sol está se pondo e aqui em cima bate um vento absurdo! É tão gelado que eu não consigo falar. Pronto, cobri a garganta com o cachecol e a voz voltou. Pegamos um como de Mote con Huesillos, uma espécie de pêssego em calda com grãos de trigo... hmmm... é... tá, não gostei! Descemos para a cidade quando a noite cai, para terminarmos nosso passeio por Santiago.

Aos pés do morro, compro a toquinha de sul-americano que eu sempre quis. A Bruna disse que a gente acharia mais barato em outro lugar mas, na boa, sou turista, estou aqui pra gastar! Passamos em uma padaria para comprar alguma coisinha pra comer e, de lá, vamos a uma outra feirinha. Ali a Bruna compra um trenzinho de madeira para seu sobrinho.

Agora, estamos em uma grande avenida de Santiago. Logo ali na frente está o bairro Paris Londres. São algumas ruas no centro da cidade que têm toda cara de Europa. O clima frio e as árvores peladas aumentam ainda mais a sensação de se estar no velho continente.

Passamos em uma livraria, onde eu compro “Viente Poemas de Amor y una Canción Desesperada” de Pablo Neruda e, de lá, vamos tomar um chocolate quente em um café charmoso da cidade. Nada melhor para se esquentar no inverno santiaguino.

La Pica de Clinton (Foto: Bruna Acácio)
Está ficando tarde, decidimos, então, voltar para o El Punto. Engraçado é que andamos por umas ruas escuras e desertas de Santiago. Eu, acostumado com a violência urbana brasileira, todo preocupado. A Bruna, sabendo que assaltos são raros na cidade, tranquila. Passamos por um bar curioso, chamado La Pica de Clinton e por uma manifestação de estudantes mais preocupada com o jogo da seleção chilena do que com qualquer outra coisa, antes de pegarmos o metrô e irmos embora. No caminho, passamos em um camelô para comprar um par de luvas para mim.

Chegamos no El Punto. Depois de jantar e tomar banho, vou ao quarto da Bruna, para decidirmos o que vamos fazer nos próximos dias. Meu plano é o seguinte: subir a Cordilheira dos Andes na sexta; ir para Isla Negra e Valparaíso no sábado; conhecer Valpo e Viña del Mar no domingo e voltar para Santiago, para que eu possa ir embora para o Brasil na segunda-feira de manhã.

A Bruna e o pessoal do El Punto acabam me convencendo que é melhor ir para o litoral na sexta e no sábado e deixar os Andes para o domingo. Até porque as estações de esqui só deverão abrir no fim de semana. Tudo bem...

@OLucasConrado

Nenhum comentário: