segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Maria da Penha

Depois de um jantar romântico e de uma volta pela cidade, Kléber e Júlia entram em casa, naquela noite fria e chuvosa. Entre a sala e o quarto, um rastro de roupas molhadas e objetos. Bolsa aqui, relógio ali, celulares - devidamente desligados - na porta do quarto e o casal, só de roupas íntimas, deitado na cama. Altos beijos, mãos se esfregando pelo corpo, pernas roçadas.
Dos ombros de Júlia, as mãos de Kléber escorregam para seus braços e param em suas costas. As mãos vão acompanhando o sutiã da esposa até o fecho. Um rápido movimento dos dedos e o sutiã está preso apenas pelas alças. Kléber retira o sutiã, liberando os seios para o amor mais carnal possível.
Mão aqui, mão ali. Boca aqui e ali. Braços e pernas enroscados e peças de roupa íntima jogadas pelo quarto, fazendo companhia às outras roupas, ao celular e à bolsa. Apesar do frio que fazia lá fora, Kléber e Júlia só sentiam um o calor do outro, calor aumentado pela paixão e pelos movimentos frenéticos do casal.
Júlia beijou a boca de Kléber. Desceu para o queixo, pescoço e barriga. Ajoelhou-se na cama e sorriu para o rapaz. Passou a beijar a coxa, o joelho e a canela de Kléber. Passou as mãos pela perna do rapaz e pegou seu pé.
- Júlia, por favor, larga o meu pé, você sabe que eu sinto muitas...
Antes que ele terminasse a frase, Júlia levou o pé de Kléber à boca. Ao receber a primeira lambida na sola, Kléber começou a rir descontroladamente e, com um verdadeiro coice involuntário, derrubou Júlia da cama. 
Assustado, Kléber se levantou a tempo de ver a esposa caída, com o nariz praticamente jorrando sangue e o olho direito roxo.
- Amor! Amor! Tá tudo bem? Júlia?
A mulher se arrastou à cama sentindo muita tonteira e, com a mão no rosto, só conseguiu dizer:
- Acho que quebrei o nariz.
- Desculpa! Desculpa! Foi mal, amor! Desculpa!
Kléber, desesperado, correu até a cozinha e jogou alguns cubos de gelo num saco plástico, entregando à esposa. Pegou as peças de roupa do casal e se vestiu rapidamente. Ajudou Júlia a se vestir e a conduziu até o carro.
A noite de amor estava terminada. Totalmente sem graça o casal correu na direção do hospital mais próximo. Ao entrarem na emergência, deram de cara com dois policiais, que haviam conduzido um rapaz bêbado ao hospital. O olho roxo e o nariz quebrado de Júlia chamaram atenção dos guardas.
Enquanto Júlia era atendida e Kléber a esperava, sentado em um banco, os policiais se sentaram, um a cada lado do rapaz e começaram o interrogatório.
- Quem é a mulher que você trouxe?
- Ah, é minha esposa. Nos casamos há um mês.
- Ah é? E o que aconteceu com ela? Parecia bem machucada. - disse o outro policial.
- Foi... foi um acidente - respondeu Kléber, sem graça.
- Acidente? Não tinha cara de acidente - comentou o primeiro policial.
- Como aconteceu esse "acidente"? - perguntou o outro, sinalizando as aspas com a mão.
Kléber ficou vermelho de vergonha. Olhou para baixo e disse:
- Pergunta complicada, amigo...
- Complicada, é?
- Complicada está sua situação.
- Não, não é o que parece! - disse Kléber.
- E o que parece? - perguntou um dos guardas.
- Que eu... agredi minha esposa?
- Pois é, conhece a Lei Maria da Penha?
- Sabe o que acontece com valentões que agridem a esposa?
- Não, espera! Eu não bati na minha esposa! Foi um acidente, eu juro!
- Acidente, é o que todos dizem.
- Mas foi um acidente, sim! Eu amo minha esposa, nunca bateria nela!
- Então me diz, como foi esse acidente?
Novamente, Kléber ficou sem graça. A situação foi toda tão esquisita que ele não sabia bem como começar.
- A gente estava na cama... - começou - e eu sinto muitas cócegas nos pés...
- Vai me dizer que ela foi beijar seu pé, você sentiu cócegas e meteu o pé na cara dela.
- Foi! Foi isso que aconteceu!
- Essa é a melhor desculpa que eu já ouvi! - comentou o outro policial, rindo.
- Pois é, Don Juan, você vai ter que explicar isso lá na delegacia.
Silêncio na sala de espera. Kléber, quase sob custódia, esperou por quase 40 minutos, até que Júlia saísse do consultório, com um grande curativo no rosto. O rapaz se levantou rapidamente e, sob o olhar atento dos policiais, deu um beijo na esposa, perguntando:
- E aí, tá tudo bem? Tá melhor?
- Tô, sim, amor... A sorte é que não quebrei o nariz, apesar de estar muito inchado.
- Desculpa, meu bem... você sabe que foi sem querer, né?
- Sei sim... vamos embora?
- Na verdade, não vai dar... Aqueles dois policiais ali querem que a gente dê um pulinho na Delegacia da Mulher...

E, o que era para ser uma noite de sexo, terminou numa delegacia, com o casal explicando um acidente muito estúpido.

@OLucasConrado

PS. Vou só deixar claro que isso aqui é um texto fictício e que, de forma alguma, quer menosprezar a Lei Maria da Penha ou a gravidade das agressões contra as mulheres. A questão é séria e deve ser tratada como tal.

Um comentário:

Bianca disse...

Adorei que o que começou como um conto erótico se tornou uma comédia em pouco tempo! Sensacional e muito divertido :)
Realmente, deve ser complicadíssimo explicar uma situação dessas hahaha