quarta-feira, 26 de março de 2014

A greve dos mineiros peruanos e as férias do mineiro no Peru

Estou escrevendo do Peru. Aqui, uma das principais atividades econômicas é a mineração. E, ao redor do país, milhares de pessoas tiram seu sustento por meio da mineração informal. Funciona (ou funcionava) mais ou menos assim: Qualquer pessoa pode entrar numa mina e explorar a matéria prima disponível ali. Por ser uma atividade artesanal, os mineiros não recebem o menor apoio do governo. Nenhum plano de saúde, nada de previdência social. Nenhum benefício. Por outro lado, esses pequenos mineradores não pagam impostos.

Esse era um acordo de pelo menos 30 anos, firmado entre o governo peruano e os mineradores do país. O problema é que, recentemente, o atual governo decidiu mudar isso. A partir de agora, todos os mineradores do Peru deverão se formalizar e pagar impostos. O governo argumenta que quer formalizar a atividade para diminuir os riscos aos quais os mineiros estão expostos. Os mineiros argumentam que o governo quer facilitar a entrada de multinacionais que irão explorar os minerais do país e vão pagar milhões de soles em impostos.

O grande problema é o seguinte: como falei, boa parte da economia peruana está baseada na mineração. E a maioria dos mineiros artesanais é muito pobre, tirando, no fim do mês, o suficiente para se manterem. É o que acontece na cidade de Nazca, a XXX quilômetros da capital, Lima. Conhecida mundialmente pelas linhas e geoglifos feitos há milhares de anos, Nazca é uma cidadezinha de 35-40 mil habitantes, onde cerca de 45% da população vive da mineração artesanal. Se a lei for aprovada, boa parte dessa população estará desempregada, causando um caos na economia local.

Em resposta à medida do governo, os mineiros estão protestando ao redor do país. Na região de Nazca, os protestos estão mais intensos. As estradas que ligam Nazca a algumas das principais regiões do país estão bloqueadas. E, o que estava acontecendo apenas ali, se espalhou para outras regiões. Enquanto escrevo esse texto, as cidades de Arequipa e Puno (na beira do Lago Titicaca) estão inacessíveis. E ninguém tem previsão de quando a situação vai se normalizar.

A greve dos mineiros e o perrengue de viagem

Por que estou escrevendo sobre isso? Porque estou de férias no Peru, com uma amiga da faculdade. No momento, estou escrevendo de Cuzco, mas, até ontem, eu estava em Nazca. Fui pessoalmente afetado pela greve dos mineiros (que apoio totalmente, apesar de estarem atrapalhando minhas férias).

Ah, não perguntei pras personagens se eu podia contar essa história, então não vou por o nome delas aqui. Qualquer coisa, atualizo colocando os nomes.

Meu planejamento era o seguinte. Passaria três dias em Lima. Depois iria para Nazca, Arequipa, Puno e só no final das férias (semana que vem), viria a Cuzco. Daqui, pegaremos um avião para Lima. Depois de passar o dia em Nazca, fui - com uma amiga da faculdade, que está me acompanhando na viagem - para a rodoviária. Estávamos prontos para embarcarmos para Arequipa, quando percebemos uma movimentação estranha na companhia. Perguntamos o que estava acontecendo e o caixa se restringiu a dizer "converse com o administrador".

O administrador, muito atencioso, explicou que a estrada para Arequipa estava fechada, mas que poderíamos remarcar nossa passagem para outro dia. Poderíamos tentar ir para Arequipa no dia seguinte, ou então poderíamos marcar uma viagem para outra cidade - Lima ou Cuzco. Frustrados, procuramos um hostel para passar a noite e decidimos esperar até o dia seguinte pra definirmos o que faríamos: tentar ir a Arequipa (caso a estrada estivesse desbloqueada) ou a Cuzco.

A viagem para Cuzco, nos garantiam os peruanos, seria tranquila. De acordo com eles, o problema estava acontecendo longe de Nazca, em uma cidade no caminho para Arequipa. Com isso em mente e sabendo que a estrada para Arequipa ainda estava bloqueada, tentamos trocar nossa passagem para Cuzco. Má notícia: não tinham mais vagas na primeira empresa. Se não houvesse vaga na segunda, teríamos de passar mais uma noite em Nazca (a cidade é legalzinha, mas não tem nada pra fazer lá). Fomos na outra empresa. O ônibus estava praticamente vazio. Compramos as passagens.

Passeamos por Nazca e, à noite, passamos no hostel pra pegar nossas coisas. Tranquilos, caminhávamos pra rodoviária rindo e contando piadas até passarmos por uma casa onde uma peruana - tensa - falou "vocês vão viajar pra Lima pela MovilTours? Corram pra rodoviária porque eles estão com problemas!". Não era possível! Iríamos passar mais um dia em Nazca? Sem mais nada o que fazer por lá? Não!

Chegamos na rodoviária. A mesma funcionária sorridente que nos atendeu mais cedo estava séria. Os mineiros tinham fechado a saída para Cuzco. A polícia estava se encaminhando para a estrada, mas ninguém sabia quando - ou se - a estrada seria liberada. Os ônibus não só não conseguiam sair de Nazca, como também não conseguiam chegar. Os manifestantes estvam perto da rodoviária, havia o medo de um conflito ali mesmo. A tensão estava no ar. Encontramos duas brasileiras ali. Uma delas, inclusive, foi caloura minha na UFRJ. Decidimos ficar juntos. Independentemente do que acontecesse, estaríamos juntos.

Depois de algum tempo de tensão - na minha cabeça foram horas - a funcionária apareceu e nos disse que caminharíamos até fora da cidade para pegar o ônibus. É uma cidade pequena do interior, não caminharíamos muito, só uns dois quarteirões. Deveríamos nos manter juntos e faríamos um caminho que contornaria a praça onde os manifestantes se reuniam. Deu a hora, saímos da rodoviária. Fomos andando por uma rua residencial, meio escura e cheia de cachorros que latiam para nós. Paramos em uma estradinha na saída da cidade e, pouco depois, nosso ônibus chegou. Entramos.

Fiquei tranquilo naquela hora. Eu estava preocupado em chegar em Cuzco logo e, estando dentro do ônibus, era a garantia que chegaríamos. A tripulação serviu o jantar, o que nos deu um pouco mais de segurança que estava tudo bem. Comemos rápido. O comissário nos mandou fechar as cortinas, para nossa segurança. Parece que os manifestantes estavam tentando bloquear a estrada afrente e chegavam notícias de que eles estavam atirando pedras contra os ônibus que passavam por ali. Terminamos de comer rápido, fechamos as cortinas e apagamos as luzes. O ônibus entrou num engarrafamento na periferia da cidade. Lá na frente, um grupo de pessoas andava na frente do primeiro ônibus do engarrafmento. Andamos mais um ou dois quilômetros até pararmos totalmente.

Enquanto andávamos, ouvi uns barulhos, como se alguma coisa estivesse batendo na lataria. "Estão jogando pedras na gente", eu pensei.

O comissário ou o motorista, sei lá, disse que os mineiros bloquearam a pista com pedras e chamou os homens do ônibus pra descerem e carregarem as pedras para fora. As brasileiras que estavam comigo também queriam descer. Estavam tensas demais para ficar dentro do ônibus. O comissário, a princípio, não queria deixá-las descer. Mas elas insistiram e todos fomos para a estrada. Duas janelas do ônibus estavam quebradas, uma no andar de baixo e outra no superior. Para nossa sorte, nenhum passageiro foi ferido. Havia muita gente ali, do mundo inteiro. Peruanos - moradores de Nazca e viajantes - turistas, comissários e motoristas, era gente demais. Na faixa da esquerda, estavam parados os ônibus. Na direita, milhares de pedras de vários tamanhos. Fomos andando pela estrada e, onde o engarrafamento começava, não haviam pedras, e sim mineiros bloqueando a pista. O clima estava tenso, mas eles reforçavam que não queriam nos prejudicar, mas só desbloqueariam a pista na hora que algum representante do governo chegasse. Ninguém do governo apareceu. Mas, lá atrás, vimos a tropa de choque chegando, com seus escudos e armas de efeito moral.

Voltamos rápido ao ônibus, temendo um conflito entre os policiais e mineradores. Parados, do lado de fora do veículo, até chegamos a estudar uma rota de fuga, caso o conflito acontecesse e aumentasse. Acostumados ao modus operandi da PM brasileira, já estávamos esperando uma grande batalha, que acabou não vindo. Os carros começaram a ligar os motores e os comissários nos mandaram entrar. Iríamos seguir viagem, escoltados pela polícia. Entramos no ônibus e tomamos nossos lugares. Me tranquilizei um pouco mais. De onde eu estava, não conseguia ver nada do lado de fora, mas parecia estar tudo bem. O ônibus arrancou e andou poucos metros.

Aí ele parou e apagou todas as luzes. Uma das garotas viu uma correria lá fora. O comissário apareceu desesperado, mandando a gente se agachar no chão, porque estavam jogando pedra nos ônibus. Me abaixei meio de qualquer jeito e fiquei ali no escuro, esperando alguma definição. Nada. Então começaram a entrar pessoas no ônibus. Eram os outros turistas, que ficaram na estrada tirando as pedras.

Em resumo: mãe, pai, amigos, não aconteceu nada demais. Prosseguimos viagem e chegamos em segurança em Cuzco. Mas as cidades que visitaríamos estão bloqueadas e, provavelmente, vamos passar o resto das férias aqui. Não queremos correr o risco de ficarmos presos em Arequipa ou Puno.