Um órfão pelo bem da nação
São José do Cordeirinho, Minas Gerais. 10 de novembro de 1999
No bar Canto do Galo, numa parede em meio de pôsteres do Atlético Mineiro e de fotos do dono do bar, Seu Samuca, com ídolos do time há uma foto em destaque. A foto, gasta pelo tempo, mostrava um casal segurando uma criança numa pracinha. Naquele dia de pouco movimento, ele estava sozinho no bar, olhando para o casal e chorando enquanto se lembrava de um acontecimento ocorrido exatamente 30 anos antes, que mudou sua vida.
Naquela manhã do distante mês de novembro de 1969, Samuca estava em seu quarto, brincando com sua mãe. Apesar de ter apenas 8 anos na época, o garoto sabia que algo de ruim estava acontecendo. A cada dia, Anita ficava mais séria, enquanto seu pai, Walter passava mais tempo longe de casa e quando chegava, geralmente estava armado e falava pouco.
“Mamãe, o papai é agente secreto?” perguntou Samuca após criar coragem por dois meses.
“Não.” respondeu Anita.
“Então por...?”
O garoto nunca terminou a pergunta. Naquela hora, Walter chegou e caminhou diretamente para o quarto. Ao entrar, disse:
“Anita, os homens nos descobriram e estão vindo.”
A mulher olhou assustada para o marido, que segurava o revólver e abraçou o filho dizendo:
“Samuel, me escuta. Seu vô tá te esperando na pracinha. Vai correndo até ele e não volte por nada nesse mundo. Mamãe te ama e sempre vai estar contigo, tá?”
Samuca começou a chorar e tentou perguntar o que estava acontecendo. Sua mãe o interrompeu, o beijou e lhe entregou uma foto que tiraram no último aniversário do garoto.
“Samuca, se cuida. Espero que quando você tiver nossa idade, você tenha liberdade.” Walter beijou o filho e disse “Te amo. Agora vá.”
Anita acompanhou o garoto até a porta de casa e pediu para ele correr até a praça. Samuel beijou sua mãe e, chorando, correu sem olhar para trás. Um pouco depois de virar a rua de casa, viu duas viaturas da polícia, cheias de militares armados, passarem na direção oposta. Assustado, o garoto parou e voltou sorrateiramente até a esquina de sua rua.
De sua casa, um casal saia algemado direto para o carro. Quando ia correr atrás de seus pais, duas mãos o agarraram pelos braços e uma voz grave disse:
“Eu sabia que você voltaria. Ainda bem que vim atrás de você.”
Era Sílvio, seu avô. Samuca o abraçou e perguntou:
“Vô, o que tá acontecendo?”
“Seus pais estão pagando o preço por serem boas pessoas.”
E sem dizer mais nada, os dois entraram na Rural do senhor e seguiram na direção de São José do Cordeirinho.
Anos depois, Samuca descobriu que seu pai não era um agente secreto. Walter era comunista, palavra que o garoto nem conhecia quando o governo, pelo “bem da nação” torturou e matou seus pais. O garoto cresceu sem confiar na polícia, no exército ou no governo. Ainda assim, se tornou um cidadão de bem, um marido exemplar e em pouco tempo, se tornaria um grande pai. Estela, sua esposa, estava grávida de gêmeos e Seu Samuca queria passar o maior tempo possível ao lado dos filhos. Queria que seus meninos tivessem aquilo que o governo lhe tirara: um pai e uma mãe.
Lucas C. Silva
São José do Cordeirinho, Minas Gerais. 10 de novembro de 1999
No bar Canto do Galo, numa parede em meio de pôsteres do Atlético Mineiro e de fotos do dono do bar, Seu Samuca, com ídolos do time há uma foto em destaque. A foto, gasta pelo tempo, mostrava um casal segurando uma criança numa pracinha. Naquele dia de pouco movimento, ele estava sozinho no bar, olhando para o casal e chorando enquanto se lembrava de um acontecimento ocorrido exatamente 30 anos antes, que mudou sua vida.
Naquela manhã do distante mês de novembro de 1969, Samuca estava em seu quarto, brincando com sua mãe. Apesar de ter apenas 8 anos na época, o garoto sabia que algo de ruim estava acontecendo. A cada dia, Anita ficava mais séria, enquanto seu pai, Walter passava mais tempo longe de casa e quando chegava, geralmente estava armado e falava pouco.
“Mamãe, o papai é agente secreto?” perguntou Samuca após criar coragem por dois meses.
“Não.” respondeu Anita.
“Então por...?”
O garoto nunca terminou a pergunta. Naquela hora, Walter chegou e caminhou diretamente para o quarto. Ao entrar, disse:
“Anita, os homens nos descobriram e estão vindo.”
A mulher olhou assustada para o marido, que segurava o revólver e abraçou o filho dizendo:
“Samuel, me escuta. Seu vô tá te esperando na pracinha. Vai correndo até ele e não volte por nada nesse mundo. Mamãe te ama e sempre vai estar contigo, tá?”
Samuca começou a chorar e tentou perguntar o que estava acontecendo. Sua mãe o interrompeu, o beijou e lhe entregou uma foto que tiraram no último aniversário do garoto.
“Samuca, se cuida. Espero que quando você tiver nossa idade, você tenha liberdade.” Walter beijou o filho e disse “Te amo. Agora vá.”
Anita acompanhou o garoto até a porta de casa e pediu para ele correr até a praça. Samuel beijou sua mãe e, chorando, correu sem olhar para trás. Um pouco depois de virar a rua de casa, viu duas viaturas da polícia, cheias de militares armados, passarem na direção oposta. Assustado, o garoto parou e voltou sorrateiramente até a esquina de sua rua.
De sua casa, um casal saia algemado direto para o carro. Quando ia correr atrás de seus pais, duas mãos o agarraram pelos braços e uma voz grave disse:
“Eu sabia que você voltaria. Ainda bem que vim atrás de você.”
Era Sílvio, seu avô. Samuca o abraçou e perguntou:
“Vô, o que tá acontecendo?”
“Seus pais estão pagando o preço por serem boas pessoas.”
E sem dizer mais nada, os dois entraram na Rural do senhor e seguiram na direção de São José do Cordeirinho.
Anos depois, Samuca descobriu que seu pai não era um agente secreto. Walter era comunista, palavra que o garoto nem conhecia quando o governo, pelo “bem da nação” torturou e matou seus pais. O garoto cresceu sem confiar na polícia, no exército ou no governo. Ainda assim, se tornou um cidadão de bem, um marido exemplar e em pouco tempo, se tornaria um grande pai. Estela, sua esposa, estava grávida de gêmeos e Seu Samuca queria passar o maior tempo possível ao lado dos filhos. Queria que seus meninos tivessem aquilo que o governo lhe tirara: um pai e uma mãe.
Lucas C. Silva
4 comentários:
Nossa Lucas, ficou bem interessante a história! Ficou muito bom! O ótimo que você me poucas linhas contou a história de toda uma vida!
" o ano em que meus pais sairam de férias "
Ju, é verdade... pior que ficou meio parecido mesmo...
Mais uma de São José do Cordeirinho! ^^
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