Depois de falar do livro Os Mortos Não Dançam Valsa, cá estamos nós novamente para falar dele, Roberto Drummond. Sou suspeito para falar, mas acho uma pena que o Drummond não tenha sido mais conhecido e reconhecido. Para além de Hilda Furacão e do grande torcedor do Atlético que era, Roberto era um grande ser humano. Defensor dos perseguidos, dos negros, das mulheres, das feias (que foram criticadas pelo cultuado Vinícius de Moraes) e dos gays. Numa época em que a luta contra a homofobia ainda nem era uma bandeira defendida tão abertamente.
Roberto Drummond no Viaduto Santa Teresa, em Belo Horizonte (Foto: UAI/Estado de Minas) |
Numa época em que presidenciáveis vêm defender a "família tradicional", acho pertinente compartilhar com vocês essa crônica escrita pelo mestre Drummond, no jornal Hoje em Dia, de Belo Horizonte. Acredito que essa crônica seja de 1997. É uma resposta ao geneticista James Watson, que propôs que as mães abortassem quando soubessem que o filho que elas carregavam seria gay.
E se tivessem proibido de nascer o francês Marcel Proust, gênio da literatura, por ser gay?
E se tivessem proibido de nascer o norte-americano Leonard Bernstein, gênio da música, por ser gay?
E se tivessem proibido de nascer o russo Nureyev, mago da dança, por ser gay?
O mundo ficaria mais pobre.
O mundo ficaria mais feio.
O mundo ficaria mais triste.
E, principalmente, o mundo ficaria mais injusto e se aproximaria do ideal genético sonhado por Hitler e os nazistas alemães.
Já não basta discriminar os gays pobres e anônimos, já que os gays ricos e famosos são aceitos?
Já não basta querer criar uma espécie de prisão feita com as grades da discriminação e do preconceito, contra os gays de um modo geral?
Já não basta essa espécie de novo racismo contra os gays?
Já não basta?
O que o geneticista norte-americano James Watson propõe (dar à mãe o direito de abortar quando descobrir que o filho que vai nascer será um gay) é tão monstruoso, é tão brutal, é tão criminoso, que é difícil de acreditar.
É tão brutal, tão monstruoso, tão criminoso e tão ofensivo ao que a humanidade tem de honesto, que recorda Hitler e as experiências do sinistro dr. Joseph Mengele fazia contra os judeus e outros prisioneiros dos campos de concentração nazista.
Como deram o Prêmio Nobel de Medicina a um cientista assim como o dr. James Watson?
É preciso, é urgente entender, de uma vez para sempre (e quem escreve é alguém que fez uma opção sexual e existencial diferente dos gays*), é preciso entender, repito e insisto, que os gays fazem parte, desde sempre, da cultura humanística da nossa civilização.
Há uma contribuição gay em todos os setores da vida moderna.
O mundo não seria o mesmo sem os gays.
A literatura não seria a mesma.
A música popular e erudita não seria a mesma.
A moda não seria a mesma.
O rádio, a televisão, o cinema não seriam os mesmos.
O mundo (saiba dr. James Watson e todos os que pensam como ele) tem uma grande dívida com os gays. Porque os gays embelezaram o mundo, tal qual fizeram todos os outros segmentos discriminados.
Assim como o mundo tem uma dívida com os judeus.
Assim como o mundo tem uma dívida com os negros.
Assim como o mundo tem uma dívida com os latinos-americanos.
Assim também o mundo tem uma dívida com os gays.
Mas se não houvesse uma dívida. Se não houvesse uma gratidão, Se houvesse apenas o direito que cada um tem de fazer suas escolhas, em todos os sentidos. Se fosse apenas isso, teríamos que protestar contra esse nazismo em forma de ciência defendido pelo dr. James Watson.
Os gays do mundo foram ofendidos.
As mães do mundo e os pais do mundo foram ofendidos.
Mas todos nós, que cultivamos o humanismo, todos nós que recusamos qualquer espécie, simulada ou não, de nazismo e de fascismo, temos que gritar.
Que os gays do mundo gritem.
Gritem os gays de todo o planeta.
Abaixo todo o tipo de preconceito.
Qualquer pessoa que nasce, seja o que for, é uma criatura divina, merece respeito - rica ou pobre, famosa ou desconhecida, talentosa ou não.
A condição humana foi ofendida pelo dr. James Watson!
Recebam os gays do mundo esta crônica como uma flor.
*Apesar de discordar do mestre Drummond no trecho em que ele diz que fez uma opção diferente dos gays - nascer gay não é opção - fica a mensagem para o mundo.
Um comentário:
Que fantástico! Não conhecia essa crônica em especial, mas admiro o Drummond enormemente. Com certeza vou espalhar esse texto aos quatro ventos.
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