O que a ciência tem de fascinante, ela tem de desafiadora. (foto: Flickr Argonne National Laboratory CC BY-NC-SA 2.0) |
Tenho alguma experiência com jornalismo científico. Recentemente, no meu trabalho atual, fui responsável por produzir e editar a seção Quero Saber, do finado Globo Ciência. Nessa seção, respondíamos a perguntas de diversos temas científicos por meio de entrevistas com pesquisadores, ilustradas por animações e imagens de apoio. Antes disso, passei ainda pelo Instituto Ciência Hoje, escrevendo para a revista de mesmo nome e para o site Ciência Hoje das Crianças. Sempre tive muito interesse pela área científica. Cresci assistindo a O Mundo de Beakman, Castelo Ra Tim Bum, ao próprio Globo Ciência. Além de documentários sobre astronomia e vida animal.Aliado a isso, ainda tive meu pai desde muito cedo me ensinando a identificar algumas das principais estrelas e planetas no céu. Apesar desse entusiasmo todo, posso dizer uma coisa: escrever sobre ciência não é nada fácil.
Os desafios são muitos. Para começar, a ciência praticada hoje é muito mais complexa e aprofundada que aquela praticada séculos atrás. As ciências atuais são tão complexas que elas próprias conversam entre si em muitos casos. Os pesquisadores vão se aprofundando cada vez em temas específicos e complexos, não entendendo direito outras áreas. Um biólogo especialista em fungos pode não compreender direito o mecanismo da física quântica. Um astrônomo pode não conseguir explicar como a Cordilheira dos Andes tomou a forma atual. E mesmo um especialista em cupins pode não saber como a geléia real age para fazer de uma abelha a rainha.
Se um cientista prefere não se meter na área do outro por medo de cometer algum equívoco, imagina como fica a cabeça de um jornalista, formado numa Ciência Humana e que precisa escrever sobre Biologia, Geologia, Astronomia, Medicina, Física e Química (às vezes em uma semana). Em muitos casos, vai para o jornalismo científico o nerd que cresceu vendo e lendo sobre ciências. Ele já traz uma bagagem cultural adquirida ao longo da vida. Mas, nem sempre, isso é suficiente para entender os conceitos que está abordando. Aliás, entendimento é o X da questão.
Nos meus nove meses de Ciência Hoje, li uma infinidade de artigos científicos. Muitos deles em inglês. Além da linguagem mais rebuscada, esses artigos continham diversos conhecimentos implícitos, jargões e termos muito específicos. Em diversas ocasiões, contei com a ajuda das minhas editoras, além de colegas de trabalho - mais experientes que eu na área - para entender esses pontos. Em outros, procurava os próprios cientistas para me darem uma luz. Para minha sorte, eles sempre foram muito receptivos comigo.
Aí está outra dificuldade para se divulgar ciência. Muitos pesquisadores, já com esse preconceito de que o jornalista é um preguiçoso ou estúpido, julgam que não é preciso perder tempo tentando traduzir algo que o jornalista não vai entender. Nos tempos de Ciência Hoje, ouvi colegas reclamando da falta de tato de alguns pesquisadores. Da falta de paciência para esclarecer conceitos. Ou mesmo, apesar da boa vontade, a dificuldade de tornar os conceitos mais palpáveis (sério, como foi difícil conversar com os simpáticos matemáticos do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada). Se não há esse diálogo, como os pesquisadores esperam que o jornalista entenda conceitos com os quais ele não está acostumado?
Para complicar a questão, jornalista conta com outras duas dificuldades na hora de levar a ciência para o público: tempo e espaço. Não tive tanto problema de tempo, uma vez que a Ciência Hoje me dava um bom período para apurar e redigir meus textos com calma. Mas isso nem sempre acontece. No desespero do jornalismo de hoje, de sempre querer ser o primeiro veículo a publicar uma matéria - e ainda com a possibilidade de editar, no caso de mídia online - muitos repórteres não têm tempo para aprofundar nos assuntos. Ou mesmo para fazer uma apuração mais calma e precisa. Há ainda a questão do espaço (sofri muito com isso). As pessoas hoje têm preguiça de ler. Então, temos o desafio de escrever um texto curto, mas que aborde questões complexas muitas vezes. Aí fica a questão no ar: como fazer isso?
Como dispõe de mais tempo, a Ciência Hoje tem um modelo interessante de produção de matérias que, infelizmente, poucos veículos mantêm. O jornalista lê um artigo científico e pensa nas perguntas. Entra em contato com o pesquisador e faz a entrevista. Após redigir sua matéria, envia o texto para o especialista (se ele for estrangeiro, envia para um colega de especialidade no Brasil), acompanhado do artigo no qual a matéria foi baseada. Só após as correções e observações do cientista, a matéria é publicada. Como eu falei lá em cima, muitas publicações precisam sair rapidamente, então não há esse tempo para o pesquisador fazer suas considerações. É o ideal? Não. Mas no modelo atual de jornalismo - que diga-se de passagem, dá um espaço ridículo para a divulgação científica - é difícil termos alguma transformação.
Bem, o que eu quero dizer nesse texto é que nós, jornalistas, não somos idiotas ou agimos de má fé. Sofremos com as mesmas dificuldades de entender ciência que grande parte da população sofre. A educação científica no país deixa muito a desejar e se reflete em diversos pontos da sociedade, inclusive no jornalismo. Isso aliado a prazos apertados, muita cobrança, dificuldades de comunicação e a má vontade de alguns pesquisadores (mais uma vez, não são maioria), só tornam a situação mais grave. Deveríamos pensar em formas de promover uma maior educação científica para que cada vez menos erros fossem cometidos.
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