domingo, 28 de novembro de 2021

Conversando sobre a letra de Desde Que Te Perdi, do Kevin Johansen

Eu adoro as músicas do cantor argentino Kevin Johansen. Especialmente o disco que ele gravou ao vivo em Buenos Aires com sua banda The Nada e com uma participação do cartunista Liniers. Provavelmente, quando sair minha retrospectiva de 2021 no Spotify, ele vai estar no topo, muito provavelmente com a música Desde que te Perdi no primeiro lugar.


Primeiro, quem é Kevin Johansen? Filho de pai estadunidense e mãe argentina, Kevin nasceu no Alasca em 1964. Durante a infância e adolescência, viveu nos Estados Unidos, Uruguai e Argentina. Ainda nos anos 80, se apresentou junto do duo argentino Instruccion Civica, mas foi só em 2000 que Kevin lançou seu primeiro álbum, que leva o nome de sua banda The Nada. Ao longo dos anos, Kevin lançou nove álbuns, contando com várias participações especiais, como Jorge Drexler, Natalia Lafourcade, Pity Alvarez e o cantor brasileiro Paulinho Moska. Inclusive, Kevin, Moska e outros músicos sul-americanos têm um projeto muito legal, quase de intercâmbio, chamado Mercosurf. Misturando pop, rock, cumbia e outros estilos latinos, com letras cheias de ironia, acho Kevin Johansen um dos melhores cantores da atualidade! Inclusive, se você tem resistência a música em espanhol, fica a recomendação das versões do Kevin de Modern Love, do David Bowie e Everybody Knows, do Leonard Cohen.

Quando comecei a ouvir Jorge Drexler, lá em meados de 2010, logo fui procurar outros artistas latinos e descobri na sequência o Kevin Johansen. Como costumo comentar, Jorge Drexler é o aluno bonzinho que senta na primeira fila e presta atenção na aula. Kevin é o cara descoladão que senta no fundo da sala, tem uma tiradinha sempre na ponta da língua e um sarcasmo no que escreve. Desde Que Te Perdi é bem assim. Uma música sobre o fim de um relacionamento, mas tratada com um leve deboche, mas com algo sutil no fundo. Vamos a ela?

Desde que te perdí
se están enamorando todas de mí
y hasta algunas me quieren convencer
que con ellas podría ser feliz.

A tônica da música é bem essa. Logo na primeira estrofe, o eu lírico diz que está arrasando corações na nova vida de solteiro. Todas as garotas se apaixonam por ele e algumas até querem convencê-lo que ele só vai ser feliz com elas.

Desde que te perdí las puertas
se me abren de par en par,
se me abrió hasta la puerta de Alcalá
y yo aprovecho cada oportunidad.

Desde que te perdí nunca tuve tal libertad
desde que te perdí no me importa nada de ná...

Ele, realmente, está muito melhor agora, que está solteiro. As portas se abrem para ele. Até a Puerta de Alcalá, um portão famoso em Madrid, no estilo do Portão de Brandemburgo (Berlim) ou o Arco do Triunfo (Paris) se abriu para ele. E, agora livre, aproveita cada oportunidade, sem se importar com nada!

Desde que te perdí la vida me sonríe sin cesar,
tengo trabajo y mucha estabilidad
y hasta he trepado en la escala social.

Não são só as portas que se abrem. A própria condição financeira e social do eu lírico melhorou. Ele está trabalhando, tem um emprego estável e que paga bem. Ele subiu até na escala social! Se a vida está boa para alguém, está para o eu lírico.

Inclusive, um detalhe que minha amiga Bruna Lays percebeu quando falei dessa música para ela. Perceba que até aqui, as estrofes sempre começam com "desde que te perdi". Esse recurso literário de repetição está aí para ficar toda hora reafirmando desde que momento o eu-lírico passou por toda essa suposta melhoria de vida.

De ágape en ágape,
princesas me sonríen de cuando en vez,
me dicen el Hugh Hefner Aragonés,
seguro que no sabes ni quién es...

Essa é uma das partes que eu mais demorei a entender por não associar o nome à pessoa. Nesse trecho, o eu lírico se define como o Hugh Hefner aragonês. Quem é Hugh Hefner? Como o eu-lírico já sabe que você não o conhece, vou facilitar a vida. Ele é o fundador da revista Playboy. Esse trecho da música volta a falar do sucesso que o eu-lírico faz com as mulheres na vida de solteiro, provavelmente muito bonitas, afinal ele está fazendo uma referência à Playboy.

Entretanto, você conhece aquela história de "quem muito desdenha, quer"? Quando prestei atenção na letra da música pela primeira vez, achei curiosa essa necessidade do eu lírico reforçar que está bem e feliz sem o antigo amor. Parece que tem algo errado aí. Então vem o próximo trecho.

Desde que te perdí hago lo que me da la gana
Desde que te perdí ya no tengo ganas de nada...

É nesse momento que o eu lírico é sincero pela primeira vez e a música dá uma reviravolta. Desde o fim do relacionamento, ele faz tudo o que quer. O problema é que desde o fim do relacionamento, ele não tem vontade de fazer nada. Parece aquela parte da conversa que o eu lírico diz "então... na verdade, as coisas não estão tão boas..."

Desde que te perdí tomamos unas cañas por ahí,
me dices que no es lo mismo ya sin mí,
que ahora también eres mucho más feliz...

O eu-lírico reencontrou o ex-amor em algum lugar e chamou a garota para tomar umas. Provavelmente, a conversa que ele vem contando vantagem em toda a música. A garota também diz que não é a mesma coisa sem ele, já que ela também está mais feliz. Mas, será que é verdade?

Desde que te perdí, desde que me perdiste
desde que me perdí, desde que te perdiste...

Essa sutileza do fim da música foi o que fez me apaixonar por Desde Que Te Perdi. É uma continuação do que foi falado anteriormente, que a garota agora está muito mais feliz. "Desde que te perdi, desde que você me perdeu". Até aí nada demais. Ele só está falando que um perdeu ao outro. Mas aí vem o golpe "Desde que me perdi, desde que você se perdeu".

Em algum episódio de How I Met Your Mother, alguém diz que quando um namoro termina, uma pessoa sai vencendo e outra perdendo. Alguém já começa a namorar logo e toca a vida rapidamente, enquanto a outra pessoa fica numa crise desgramenta, sofrendo pelo fim do namoro. Na música Desde Que Te Perdi, os dois querem mostrar que eles saíram do relacionamento vencendo. O eu-lírico contando todas as vantagens. A garota não mais amada, dizendo que está muito mais feliz sozinha.

Mas aí vem o último verso e joga na cara de todo o mundo que os dois saíram perdendo. "Desde que me perdi, desde que você se perdeu". O eu lírico não perdeu apenas a garota. Ele perdeu quem ele era. A garota não perdeu apenas o eu lírico. Ela perdeu quem ela era!

A música é genial!

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