sábado, 28 de janeiro de 2023

Por que a desregulamentação do trabalho ferra com o cliente?

Se minha compra vem com a Loggi, já sei que ela não vem. A uberização do trabalho prejudica o trabalhador e o consumidor. (Divulgação/Loggi)

Nos últimos anos, os governos federais vêm delapidando as leis trabalhistas, piorando ainda mais a vida do trabalhador. A pejotização do trabalho, a uberização do trabalho, privatizações desnecessárias, tudo isso tem uma carinha de coisa boa, mas, no fim das contas, só prejudica não só o trabalhador, mas também o consumidor. Especialmente se esse consumidor vive fora do centro das cidades, como é o meu caso.

Moro em Vespasiano, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Não é nem no centro da cidade, mas em um bairro que faz divisa com Santa Luzia, também na região metropolitana. Aqui é o chamado Vetor Norte, isso é, estamos na parte norte da RMBH, indo para o lado do Aeroporto de Confins. É até por isso que vim morar em Vespasiano, já que me mudei pra Minas pra trabalhar no aeroporto.

Enfim. Como quase todo o mundo, faço minhas compras online. Mas faço com um pequeno receio, que é o seguinte: quem vai fazer a entrega aqui em casa? Correios ou alguma transportadora privada? E se for transportadora, é uma empresa com moldes tradicionais ou é uma das transportadoras que uberizaram o serviço? Isso é determinante para saber se a compra vai chegar em casa ou não.

Loggi, Shippify e a precarização do serviço

Isso porque transportadoras como a Loggi e a Shippify uberizaram o seu serviço. Elas funcionam tipo a uber: quem tem moto ou carro e carteira de habilitação comercial pode se inscrever para trabalhar para eles. Trabalhar de forma quase informal, sabe? Sem salário fixo, sem férias, sem 13º, sem INSS, sem seguro... Se surge um trabalho e a pessoa quer fazer, ela faz. Se não surge ou ela não quer fazer, ela não faz. É isso aí.

E, tal qual a Uber, a remuneração da Loggi e da Shippify não devem ser muito boas. Isso porque, se você mora aqui em Vespasiano, Lagoa Santa ou outras cidades do Vetor Norte, é grande a chance da sua compra não chegar na data certa. Sabe por quê? Porque simplesmente não tem quem queira fazer a entrega!

Como falei, moro em Vespasiano. O centro de distribuição dessas empresas está em Contagem, que é um polo industrial e logístico de Minas Gerais (se bobear, um dos maiores do Brasil). Contagem tá lá do outro lado da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Com muito mais entregas pra BH, que fica no meio do caminho, entregas que pagam relativamente mais do que parando aqui no Vetor Norte, você acha que o motociclista vai querer atravessar toda RMBH pra trazer um livro aqui pra casa? E pra receber uma mixaria dessas empresas? Mas é NUNCA!

É tipo a Uber. Os caras só pegam as corridas que são mais interessantes. Se você mora no centro da cidade ou num bairro nobre, você dificilmente vai passar por isso. Mas quem mora nas periferias está mais sujeito a não ter Uber para voltar pra casa ou sua compra online não chegar em casa. Por quê? Porque a empresa que faz o trabalho está olhando o lucro máximo. E o lucro máximo envolve o pagamento mínimo.

Grandes empresas e Correios

No caso de grandes transportadoras, como DHL, FedEx, JadLog, Total e afins, a chance de sua entrega ficar presa no centro de distribuição de Contagem é bem menor. Por quê? Porque os entregadores têm o salário fixo, bonitinho. Como todos deveriam ter! Assim, eles não escolhem só as entregas que rendem mais trocados. Se a transportadora séria manda o cara entregar em Vespasiano, ele vai entregar. Ponto!

Ainda assim, essas empresas trabalham sob a lógica do lucro. Se uma cidade não é lucrativa, não tem por que essa empresa continuar atuando ali. Capitalismo, gente, tá certo! Empresa tem que dar lucro! Aí que vem o meu grande receio quando se fala, por exemplo, na privatização dos Correios. Os Correios são perfeitos? Não. Mas eu falo com segurança que é disparado a melhor transportadora que atende a minha região. Minhas compras pelos Correios sempre chegam na data certinha aqui em casa. Inclusive já recebi compra com 6 dias de antecedência. E eles atendem aqui, atendem em Carmo do Cajuru, Quebrangulo, Cidade de Goiás ou em São Paulo. Independentemente da cidade dar lucro ou não? Por quê? Porque são um serviço essencial e que é gerado pelo Estado.

Não, não sou a favor de estatizar tudo. Também não sou igual a esses malucos de esquerda que acham que se é estatal é automaticamente bom. Só ver o Detran, o desastre que aquilo é. Mas um órgão sendo estatal, ele não está preocupado se vai dar lucro ou não. Os impostos bancam o serviço que é prestado em todo o Brasil. Ou deveriam ser, né? Porque governos, especialmente os mais liberais, sempre tentam delapidar esses serviços que ainda funcionam para convencer as pessoas que o caminho é privatizar.

Eu entendo o argumento dos liberais que algo privatizado e que tem concorrência tem a tendência de melhorar justamente para vencer essa concorrência. Mas, novamente, tem o outro lado da moeda. Uma vez que uma empresa privada persegue o lucro, se uma região não dá lucro, ela não atende ali. E aí, como ficam as pessoas de cidades do interior ou mesmo de periferias de grandes cidades, que estão em áreas com menor potencial de interesse? A gente fica na mão?

Fica.

A ilusão do livre arbítrio

Aí, quando eu argumento isso, os liberais sempre me falam: "Bom, mas com a concorrência, você tem sempre a opção de escolher que serviço utilizar". Então, amigo, não tem. Vou dar um exemplo bem bobo: Mercado Livre, Amazon e afins não te deixam escolher quem vai fazer entrega. Se deixassem, você pode ter certeza que a Loggi, Shippify, Sequóia e outras transportadoras estariam em maus lençóis. É só procurar no Twitter as palavras Amazon e Shippify para você ver a insatisfação das pessoas. HÁ ANOS! E o tanto de gente que pede pra Amazon deixar de usar esse serviço. (Eu mesmo parei de comprar na Amazon por isso).

Mas aí eu enfrento outro problema. Isso aí, parei de comprar na Amazon. Mas o mesmo livro que a Amazon vende por 35 reais, a Leitura, que tem praticamente o monopólio de livrarias em Belo Horizonte, vende por 75 reais. De novo, a liberdade de escolha é uma ilusão! É muito fácil a pessoa que mora no centro ou no bairro nobre falar "é só escolher outra". Vocês têm opção de escolha, ao contrário da empatia, isso vocês não têm. Já quem mora na periferia, no interior e tal, não tem escolha. É refém do serviço ruim.

E, de novo, nem vou falar da precarização do trabalho. Do trabalhador que vai ralar sem qualquer tipo de segurança financeira. A moto estraga? Ele tá lascado. Ele se machuca ou adoece? Só lamento. Ele não pode mais trabalhar? Não tem seguro desemprego. Ele está desamparado.

Sem amparo, o trabalhador acaba perdendo até o entusiasmo de fazer o trabalho. Sem o entusiasmo, o cliente recebe um serviço bem pior.

Todos saem perdendo com a precarização do trabalho.

Nenhum comentário: