sábado, 12 de novembro de 2022

Marte Um - Um filme sobre amor


Eu sempre falo o seguinte. O mundo quer nos matar desde o momento em que a gente nasce. Dessa forma, amor, no sentido amplo da palavra, é quando uma pessoa te estende a mão e te pergunta "vamos sobreviver juntos?". Ontem à noite, fui ver o filme Marte Um. Hoje, consegui digeri-lo. E Marte Um é sobre isso, é sobre amor, no sentido mais puro e amplo da palavra.

Marte Um conta a história de uma família típica das periferias brasileiras. É uma família tão típica que os personagens não têm nem sobrenome. Eles vivem na periferia de Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte. E acho que isso reforça ainda mais essa sensação de que poderia estar em qualquer lugar do Brasil. A mineiridade está lá. Está no "sô" que sai de forma natural nas frases (vou voltar a falar disso depois). Está no Atlético x Cruzeiro que a família assiste. Está na garrafa de Guarapan na mesa da festa de aniversário. Mas pelo filme não mostrar algum ponto turístico de Contagem e mostrar só paisagens de Belo Horizonte que só um morador da cidade reconheceria, aumenta a sensação dessa história poder estar acontecendo em qualquer lugar do Brasil.

Mas qual é a história de Marte Um?

O filme acompanha alguns meses de profundas transformações dessa família. Wellington, o pai, é zelador de um prédio de burguês luxo num bairro nobre de Belo Horizonte. O sonho de Wellington é que Deivinho, seu filho mais novo, se torne craque do Cruzeiro. O problema é que Deivinho não quer jogar bola. Nerd, apaixonado por astronomia, o garoto sonha se tornar astrofísico e participar da missão Marte Um, que deve colonizar o planeta a partir de 2030. Mas, onde já se viu, um menino da periferia de Contagem querer trabalhar na NASA? Quem apoia Deivinho? Sua irmã mais velha, Eunice. A universitária começa a namorar uma colega de faculdade e decide sair de casa. Só precisa mostrar aos pais, Wellington e Tércia, que está tudo bem. E Tércia, a mãe da família que, assim como em muitas casas do Brasil, é a âncora da casa, precisando equilibrar os pratos. O problema é que Tércia está a beira de uma crise de pânico. Assim, ela precisa coordenar a casa, ao mesmo tempo que tenta manter o controle sobre os próprios sentimentos.

Como falei no começo do texto, é um filme sobre o amor na forma mais pura da palavra. Como toda família, Tércia, Wellington e seus filhos têm seus conflitos, discussões e discórdia. Mas estão sempre ali, um pelo outro, tentando sobreviver ao mundo cruel (e que se tornaria ainda mais cruel, considerando que o filme se passa na virada de 2018 para 2019, quando um cara aí virou presidente do Brasil). E a história acontece de uma forma bem gostosa e aconchegante, como toda casa mineira que se preza é. Você solta uma risada, daqui a pouco está com a tensão no talo e depois se debulha em lágrimas. Para voltar a rir logo depois. E a última frase do filme, que Wellington solta, arranca lágrimas. De novo, é um filme muito gostoso de se ver. Especialmente se você estiver em família.


Mineiridade

Uma das coisas que eu mais gostei no filme é que ele conta a história de pessoas reais. E isso é uma crítica que eu sempre faço, por exemplo, a novelas da Globo. Você vai ver as novelas e são sempre histórias que se passam com famílias ricas de São Paulo, Rio de Janeiro ou uma versão estereotipada de algum estado aleatório. É artificial, é bobo, não é real. A medida que eu to ficando mais velho (e rabugento, talvez?), eu tenho gostado mais das histórias de pessoas reais. Do Wellington, que é zelador. Da Tércia pegando o ônibus pra casa. Pessoas reais, dramas reais, histórias reais. Realidade! 

Esse é o primeiro grande acerto do filme. Conta a história de pessoas reais. Não é aquela versão caricata da periferia que a gente vê na televisão. Sei lá, se a Globo fosse fazer uma novela que se passa em Contagem, ela ia colocar o Ailton Graça e a Adriana Esteves como Wellington e Tércia. Gente, foi mal, mas eu não consigo enxergar Ailton Graça e Adriana Esteves ali no Terminal Eldorado, indo pegar o 302C para o Estaleiro.

E aí que a gente chega no segundo ponto que deixou o filme ainda melhor. Como é gostoso ouvir o sotaque da Região Metropolitana de Belo Horizonte no cinema. Você, aí de São Paulo ou do Rio de Janeiro nunca vai sentir isso, mas é gostoso demais ouvir o nosso sotaque, as nossas expressões, a nossa forma de falar no cinema. É muito legal pensar que a galera no exterior ouviu o nome da cidade de Juatuba, onde minha madrinha mora e que a maioria dos meus amigos nunca nem ouviu falar. E isso com sotaque mineiro real. Feito por mineiros. Que cresceram falando esse sotaque. Não é a carioca Adriana Esteves emulando (muito mal) o sotaque mineiro. Não, é mineiro falando. Sotaque natural, original.

Enfim, adorei Marte Um. Infelizmente, acho difícil ganhar o Oscar, mas se for pelo menos indicado, já vai ser muito bom! E merece a indicação.

Enfim, filmaço de dar quentinho no coração!

Um comentário:

Giovanna Lopes disse...

Que texto! E que síntese do filme! Adorei a visão ampla enxerga o amor como laço que mantém a vida humana